Durante a invasão dos terreiros ocorrida no Quebra de Xangô, alguns itens ficaram para trás. Em meio a repressão e violência, resistiram 211 itens sagrados, que hoje compõem a coleção Perseverança. Ao contrário dos outros anos, em 2025 os objetos contam com proteção nacional, eles foram tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em novembro de 2024.
Composta por esculturas de imagens sacras em madeira e ex-votos, armas, vestuários e instrumentos musicais que contam uma história e revelam como era a prática do Candomblé no início do século XX, a coleção Perseverança é um pedaço de todos os alagoanos que tiveram seu destino traçado por intolerância por dezenas de anos. Agora, todos esses objetos passaram a ter proteção em nível nacional, sob a guarda do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IHGAL).
Agora sim, o Xangô rezado alto
Seu tombamento foi definido pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, 14 anos depois do pedido feito pelo Instituto Histórico. Alagoas já havia reconhecido e tombado no centenário do Quebra, mesmo ano em que aconteceu o pedido de perdão pelo então governador da época, Teotônio Vilela Filho, em 2012, na efeméride do centenário do Quebra, quando o Governo de Alagoas, numa ação simbólica que contou com milhares de adeptos de religião africana, em uma solenidade a céu aberto, defronte do palácio Marechal Floriano Peixoto, sede do governo estadual.
Antes da assinatura foi realizado um cortejo popular, que passou pelas principais ruas da parte central de Maceió, mostrando um pouco das religiões de matriz africana. Uma programação cultural também marcou aquela semana em 2012. O projeto “Xangô Rezado Alto – celebrando a memória do Quebra”, que culminou com o perdão oficial no centenário da operação. À época, o então governador Teotonio Vilela assinou o ato que serviu para reconhecer um “erro histórico” cometido pelo Estado. Aquela celebração indicou clara disposição de construir uma nova relação com esses cultos.
O Estado sinalizava com o ato simbólico ali um novo momento que tinha como intenção acarretar em um novo tratamento e disposição de novas políticas públicas para os cultos de matriz africana.
Para o membro efetivo do IHGAL Enio Lins, ex-secretário de Comuncação do Estado, esse reconhecimento é de extrema importância, pois envolve aspectos políticos, sociais e econômicos.
“Este ano a coleção tem um nível de proteção mais robusto e agora pode fazer parte de editais do Fundo Nacional de Cultura (FNC) e parcerias institucionais com museus e centros de pesquisa, A inclusão da coleção nos circuitos de turismo cultural poderia estimular o desenvolvimento de roteiros temáticos sobre a história do candomblé e das religiões afro-brasileiras no estado, beneficiando museus, centros culturais e comunidades locais, entre outro”, explica Enio.
O reconhecimento nacional foi aprovado por unanimidade durante a 106ª Reunião do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural. Com a decisão, a coleção será inscrita no Livro do Tombo das Belas Artes, no Livro do Tombo Histórico e no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, pelo seu valor etnográfico.
Historiadores comemoram a conquista do tombamento, por se tratar de uma reparação histórica. “ Esse tombamento fala muito sobre o direito da memória, sobre a importância de a gente lembrar o passado, da gente salvaguardar o patrimônio cultural afro-brasileiro. O direito à memória é um dos elementos fundamentais da política do ensino da história”, explica o professor de história e coordenador do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (Neabi), Danilo Marques.
História da Coleção Perseverança
Além da questão da intolerância religiosa e do racismo estrutural que se impunha no período pós-abolição em Alagoas, há a suposição de que o governador da época, Euclides Malta, era frequentador dessas casas. Ligavam o Candomblé e a presença do Euclides Malta a teorias de bruxaria e satanismo. Isso teria servido como justificativa para a realização do que foi um dos maiores episódios de brutalidade e genocídio contra o povo de terreiro. Após o Quebra de Xangô, as peças recolhidas dos terreiros foram expostas como mostra pública, uma espécie de troféu da barbárie", explica Danilo Marques.
Com o tempo, essas peças passaram a compor a Coleção Perseverança, pois ficaram sob a guarda da Sociedade Perseverança.
“Os itens por anos ficaram sob responsabilidade deles após 1912. A organização era formada por empresários e lojistas da época, eram pessoas esotéricas, ou seja, eram abertas a todas as religiões. Eles ficaram com os itens e fizeram exposição deles, e isso foi antes de 1950, quando doaram para o IHGAL”, ressaltou Danilo.
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